FONTE: REVISTA UFO 103
Preocupado em ofertar a melhor possibilidade de compreensão diante do assunto novo, e por força de sua experiência como professor, Kardec preocupou-se em dividir de forma didática o Livro dos Espíritos em quatro partes: As Causas Primeiras, Mundo dos Espíritos, As Leis Morais e Esperanças e Consolações.
Na segunda parte, denominada Mundo dos Espíritos, no seu capítulo IV, Pluralidade das Existências, na pergunta 172 é questionado aos espíritos se “Nossas diferentes existências corporais se passam todas sobre a Terra?”, ao que eles responderam: “Não, não todas, mas nos diferentes mundos; a que passamos neste globo não é a primeira, nem a última e é uma das mais materiais e das mais distanciadas da perfeição.”
Muitas vezes, ao analisar as perguntas que haviam sido formuladas aos espíritos codificadores e as respectivas respostas obtidas, Kardec defrontou-se com as limitações psíquicas da própria época em que viveu. Contudo, algumas questões deixavam tão óbvias as conclusões que, por mais distantes do senso comum que por ventura pudessem se encontrar, eram-lhe motivo de muito estudo reflexivo sobre os temas envolvidos.
Um das que mais lhe marcou a sobriedade de análise, foi exatamente a resposta dada pelos espíritos, de que, a existência corporal que estávamos tendo na Terra não era, nem a primeira nem a última, donde se depreende que, ou todos, ou alguns dos que vivem na Terra, já “viveram”, ou seja, haviam tido existências corporais em outros mundos, e que ainda iriam viver em outros planetas em um tempo futuro.
Se dúvida houvesse, a resposta dada na pergunta 173, “...já vivestes em outros mundos e sobre a Terra”, ajudaria a dissipá-las. Também, e de forma inequívoca, servindo para encerrar de vez, qualquer questionamento sobre o fato dos espíritos estarem afirmando, claramente, que existia vida corpórea, encarnada, em mundos que não o terrestre, e por conseguinte, extraterrestres, na pergunta 181, Kardec quis saber se "Os seres que habitam os diferentes mundos têm corpos semelhantes aos nossos?", ao que os espíritos responderam que "É fora de dúvida que têm corpos, porque o Espírito precisa estar revestido de matéria para atuar sobre a matéria. Esse envoltório, porém, é mais ou menos material, conforme o grau de pureza a que chegaram os Espíritos. É isso que assinala a diferença entre os mundos que temos que percorrer, porquanto muitas moradas há na casa de nosso Pai,…"
Observemos que Kardec não perguntou “os espíritos”, mas sim, “os seres” pois que na sua percepção já havia a distinção entre os conceitos de espírito (desencarnado ou encarnado no contexto do orbe terreno) e de seres (espíritos encarnados em outras realidades planetárias).
No entanto, ultrapassada qualquer hesitação sobre a existência desse outro contexto "celeste", Kardec tocou, ainda que levemente, a questão do possível intercâmbio no campo da troca de conhecimentos entre as diferentes humanidades, ao esboçar a pergunta 182 sobre se "Podemos conhecer com exatidão o estado físico e moral dos diferentes mundos?" tendo, os Espíritos, aclarado que "Nós, os Espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos achais; quer dizer que não devemos revelar estas coisas a todos, porque nem todos estariam em condições de compreendê-las, e isso os perturbaria". Ficava assim claro, que de acordo com os conhecimentos terrenos da época, não poderia ser dito muito mais.
Apesar de tudo, prudente, achou melhor publicar o Livro dos Espíritos sem aprofundar de forma mais explícita, a questão extraterrestre. A seu juízo, a simples menção da novidade sobre um contexto espiritual ainda por ser entendido pela humanidade já seria dificilmente aceito pelos valores religiosos e filosóficos vigentes, quanto mais se a este fossem também agregadas às noções de um outro contexto ainda mais amplo.
Assim, equivocam-se alguns no movimento espírita que afirmam que essa questão fere a pureza doutrinária do espiritismo porque envolve o fator extraterrestre, o que também, segundo os mesmos, jamais foi abordado por Allan Kardec. Novamente o equívoco cuja base intelectual de apoio não encontra respaldo na obra e nem da vida do codificador. Não devem ter lido Kardec. Se o fizeram, não entenderam o essencial da sua mensagem.
Para os que acham que a questão extraterrestre fere a chamada pureza doutrinária, ou coisa do gênero, afirmando que em centro espírita kardecista comunicação de supostos ETs não entra, seria aconselhável recordar o que certo personagem disse em seu discurso de despedida, ao lado do túmulo do amigo recém-desencarnado, com quem se acostumara a conversar.
“Que importa que joguem sobre este gênero de estudos o sarcasmo ou o anátema aqueles, cuja vista é turvada pelo orgulho ou por preconceitos, que os impedem de compreender os ansiosos desejos do nosso pensamento ávido de conhecer; mais alto elevaremos as nossas contemplações!”
“Tu foste o primeiro, mestre e amigo! Foste o primeiro que, desde os meus primeiros passos na carreira astronômica, testemunhaste a mais viva simpatia por minhas deduções relativas à existência das humanidades celestes; pois que, do meu livro Pluralidade dos Mundos Habitados, fizeste a pedra angular do edifício doutrinário, que tinhas arquitetado em tua mente. Muitas vezes conversamos sobre essa vida celeste tão misteriosa e agora, oh! Alma, já sabes, por uma visão direta, em que consiste ela – a vida espiritual, para a qual voltaremos, embora dela nos esqueçamos enquanto aqui estamos.”
Esta é uma pequena parte do discurso pronunciado pelo notável astrônomo Camille Flammarion no túmulo do seu amigo e mestre Allan Kardec.
O primeiro diz claramente que muitas vezes conversou com Kardec sobre a “vida celeste” — leia-se extraterrestre, pois na época este termo não existia — idéia central do tema da Pluralidade dos Mundos Habitados, onde o amigo Camille Flammarion ressalta ter Kardec utilizado este assunto como sendo a “pedra angular do edifício doutrinário” por ele formulado. O que quis Flammarion dizer com isto se não o aspecto óbvio do teor das intermináveis conversas sobre vida fora da Terra com o seu amigo Kardec? E observemos também que no seu discurso o astrônomo fez uma distinção entre vida celeste e vida espiritual.
Como podem, novamente questionamos, os atuais espíritas afirmarem que a questão extraterrestre fere a pureza doutrinária se o próprio Allan Kardec costumava conversar sobre este assunto com seus amigos? E se, conforme o testemunho histórico de um desses amigos, o codificador teria utilizado este tema como pedra angular do edifício doutrinário por ele arquitetado, ou seja, a Doutrina Espírita? Como explicar que uma das preocupações centrais do codificador transformou-se, cerca de 150 anos depois, em uma questão considerada herética e detestável pelos padrões da doutrina que ele criou?
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